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O trabalho na era da tecnologia
Desde o início da civilização o ser humano cria meios para aumentar a produtividade de seu trabalho. A invenção das máquinas, a descoberta de novas formas de energia, a automatização dos processos. Ao longo da história, tudo isso contribuiu para a alteração da forma como se trabalha.
Cada mudança acaba pautando as relações sociais e provocando profundas transformações na sociedade.
No século XXI a tecnologia tem se renovado cada vez mais rápido. A prova disso é que enquanto as duas primeiras revoluções industriais estão separadas por um período de mais de cem anos (entre 1750 e 1850), hoje os historiadores nem chegaram a um consenso sobre se ainda estamos vivenciando a terceira ou se já estamos passando pela quarta.
E mesmo que a introdução de novas tecnologias altere drasticamente o ambiente profissional, de uma coisa podemos ter certeza: não dá para voltar atrás. A digitalização do trabalho é uma realidade cada vez mais presente no nosso cotidiano.
Prova disso é um estudo da Universidade de Oxford, feito em 2013, “O Futuro do Emprego”, que analisou mais 700 profissões e concluiu que 47% dos postos de trabalho nos Estados Unidos poderão ser ocupados por máquinas na próxima década. Considerando o preço cada vez mais baixo da automação, essa é uma tendência global e o Brasil não fica de fora.
Mas se muitas ocupações serão extintas, várias outras estão surgindo a partir do avanço tecnológico. Desenvolvedores de aplicativos, cientistas de dados, analistas de mídias sociais. Essas são só algumas das profissões que apareceram nos últimos anos e que estão ganhando relevância no mercado de trabalho.
É claro que para preencher todas essas novas vagas é necessária uma capacitação na área da informática e esse é um dos principais desafios em um país tão desigual como o Brasil, onde nem todos têm acesso à tecnologia e muitas pessoas estão à margem desse processo de reconfiguração do trabalhista.
Aqui no Digitalizando você confere tudo sobre essa relação entre tecnologia e vida profissional e entende os rumos que o mercado de trabalho está tomando no século XXI.
Temos vagas
As diferenças na busca por empregos na era tecnológica
Chega uma hora em que todo mundo precisa buscar emprego para pagar as contas, afinal a remuneração é essencial para a sobrevivência humana em um modelo de sociedade onde o dinheiro está em todos os aspectos da vida.
O conceito de população economicamente ativa, a PEA, determina que pessoas a partir dos 15 anos de idade estão prontas para entrar no mercado de trabalho, podendo sair dele aos 60, no entanto, essa faixa etária é variável diante das condições socioeconômicas de cada país. No Brasil, por exemplo, estima-se que a PEA represente apenas 61% da população em 2019, segundo o IBGE. Isso significa que pouco mais da metade da população trabalha para estruturar economicamente a outra parcela da sociedade que não contribui com o mercado com a disponibilização de mão de obra.
Pensando assim, parece que é pouca gente para sustentar toda uma nação, mas isso fica ainda mais crítico ao pensarmos que dentre esses 61%, outros 12% estão desempregados e, portanto, são mão de obra potencialmente ativa, mas que não consegue trabalhar.
Como estão as coisas no Brasil?
Com a chegada da tecnologia para otimizar as formas de trabalho, empresas de contratação tem percebido os problemas no mercado de trabalho e encontrado aí grandes possibilidades de crescimento dos seus negócios. Prova disso é que, ao pesquisarmos o termo “vagas” no campo de buscas do Google, todos os resultados da primeira página são links de plataformas de busca online por empregos.
Isso é reflexo do crescimento do papel da internet no mercado de trabalho. Para se ter uma ideia, um estudo do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística Conecta, o IBOPE Conecta, realizado em setembro de 2018, revelou que oito em cada 10 brasileiros já usou a internet para buscar emprego, isso em um levantamento entre profissionais de 16 a 34 anos.
No entanto, segundo o estudo “The Inclusive Internet Index 2019” realizado pelo jornal The Economist, o Brasil ainda se encontra atrasado e ocupa a 50° posição entre 97 países classificados no ranking que avalia o preparo da população diante da internet.
Esse fato nos faz questionar se a busca de empregos online é viável para todos, mas, principalmente para a mão de obra que embora seja mais experiente, não é tão familiarizada com a tecnologia.
A 99jobs, plataforma brasileira de contratação online, tem hoje cerca de 4 milhões de usuários cadastrados em seu banco de dados, sendo a maior parcela deles jovens entre 21 e 24 anos. Para Bruna Seibert, diretora do setor de experiência com parceiros da empresa, a busca online por empregos é importante para quem deseja rápida inserção no mercado de trabalho: “A internet tem diversos benefícios que a busca presencial não tem, como a facilidade para encontrar vagas, a possibilidade de condensar um único currículo para diversas oportunidades, o acesso à informações sobre a empresa contratante e o baixo custo pago para o serviço de agenciamento, ou no caso da 99jobs, zero custos”.
No entanto, Bruna entende que ainda assim a procura presencial tem grande peso no mercado de trabalho brasileiro. “Sempre haverá as demandas presenciais pelo boca a boca. As indicações ainda são muito presentes no cotidiano das empresas, mas, certamente, quando se trata de volume, a internet ainda é crucial”.
O tempo não para
Com uma população economicamente ativa com variável de idade tão vasta, é difícil imaginar que os profissionais mais velhos consigam se aplicar às oportunidades disponíveis no mercado com a mesma facilidade que os mais jovens, isso porque no quesito volume das candidaturas, a população mais nova no mercado está em vantagem. José Maria Fernandes, engenheiro aposentado de 62 anos, conta que quando ingressou no primeiro emprego na área, em 1980, as coisas eram bem diferentes do que encontramos hoje.
“Na época da minha graduação só existia o jornal e a caminhada de porta em porta. No caso dos profissionais com ensino superior se exigia um pouco mais de elegância, optando sempre pela forma presencial. Os trabalhos mais braçais ficavam com as vagas anunciadas no jornal.”
Mas, hoje, antenado sobre as novas estruturas do mercado, José reconhece que a busca presencial já não é de tão importante para os profissionais que assim como ele, anos atrás, buscam sua primeira chance. “Já faz algum tempo que a busca online por empregos é a melhor opção. Você tem um contato muito mais rápido com a empresa, sem perda de tempo. Se o retorno for positivo, aí você parte para etapas presenciais. Ou seja, o presencial sempre como consequência do online.”
Com pensamento parecido com o do colega de profissão, Luiza de Sá Valença, engenheira recém-formada de 24 anos, conta que desde seus primeiros passos no mercado de trabalho a internet sempre se fez presente. “A busca online é muito melhor e muito mais fácil porque a gente vive em uma era tecnológica onde você pode simplesmente enviar o currículo de casa, se candidatando para um número muito maior de vagas em menos tempo.”
Embora tenha tido bons resultados com a busca de empregos pela internet, Luiza entende que, assim como a busca presencial, a online também tem seus pontos negativos. Isso porque ela não se familiariza com algumas metodologias aplicadas nos testes virtuais, que ela acredita não levarem em consideração as particularidades de cada pessoa “Eu nunca tive muito sucesso com os testes aplicados pelas plataformas de contratação e já até deixei de me inscrever para muita coisa só por causa deles.”
Deixa com quem entende do assunto
As mudanças no mercado de trabalho chegaram também aos profissionais especializados em carreiras, que ajudam as pessoas a alcançarem as melhores oportunidades dentro do perfil.
É o caso da especialista em Linkedin, Carolina Dostal, que trabalha orientando profissionais a atualizar e aperfeiçoar suas contas na maior rede social voltava para empregos no mundo. Para Carol, como gosta de ser chamada, a lógica da inserção no ambiente digital é simples e gira em torno da ideia de que é preciso estar visível nas redes sociais para que as empresas certas encontrem seu perfil.
Mas a profissional reconhece “Todos as pessoas podem utilizar a internet a seu favor, mas infelizmente nem todos têm acesso à internet e por isso acabam sendo excluídas dessa forma de busca por emprego. Alguns estudos dizem até que o LinkedIn tem uma concentração maior de pessoas que não trabalham com a força braçal”.
Ela ainda pontua algumas dicas essenciais para quem quer se livrar de vez do desemprego com a ajuda das plataformas digitais “É preciso melhorar a imagem pessoal e a forma de apresentação, evitando fazer postagens sobre política e futebol no perfil. Além disso, é importante entender que as plataformas são sistemas de inteligência artificial que conseguem ler palavras-chave, então é preciso fazer o uso delas em suas publicações, sempre indicando seu cargo ou especialidade em tudo que posta”.
Por dentro de uma agência de contratação online
Se você ficou curioso para saber como funciona uma agência de contratação online, não se preocupe. A entrevistada Bruna nos convidou para uma visita na sede da 99jobs, que fica localizada na Avenida Paulista.
Eles ficam em um pequeno escritório dentro de um conjunto de salas empresariais colaborativas, dividindo espaço com empresas como Facebook e Spotify.
Além disso, muito diferente das agencias fixas de contratação, o clima por lá é bem descontraído, com direito a piscina de bolinhas na sala de reunião e balanço para relaxar nos intervalos de trabalho.

Automatizado e precarizado
Clemente Ganz Lúcio, 61 anos, é sociólogo formado pela Universidade Federal do Paraná e diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), instituição de pesquisa do movimento sindical brasileiro, e docente na Escola DIEESE de Ciências do Trabalho.
Mostramos a Clemente alguns tweets sobre o impacto da automação nas relações de trabalho e gravamos a reação e a opinião dele sobre esses tweets.

A era dos novos ludistas
O velho conflito entre homem e máquina
Apesar de estar assumindo papel de protagonista nos últimos 50 anos, não é de hoje que os problemas da relação entre trabalhador e tecnologia têm o poder de interferir na economia. São séculos buscando maneiras de criar boa convivência entre os dois. Mesmo que seja muito difícil encontrar uma solução que agrade todos os interesses envolvidos, ainda mais durante a quarta Revolução Industrial, definida como o grande momento das máquinas, robôs, sistemas e até mesmo inteligência artificial.
Embora não se saiba ao certo quando esse conflito teve início, a história nos mostra que lá no século XIX, durante a primeira Revolução Industrial, os trabalhadores já estavam incomodados com a presença dos maquinários nas linhas de produção. Foi nesse período que teve início o Movimento Ludista, na Inglaterra, conhecido por motins nas empresas que resultavam na destruição das máquinas, que os trabalhadores acreditavam ser as grandes culpadas pelas demissões e reestruturações nas empresas. Como consequência, hoje é de conhecimento da classe trabalhadora que, enquanto a automação ajuda no aumento da produção e lucratividade das empresas, também é parcialmente responsável pelas demissões em massa e a precarização da mão de obra.
Apenas no Brasil 53% da força de trabalho está empregada em vagas com 70% de chance de serem abaladas pela substituição por máquinas, segundo um estudo deste ano realizado por pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Esse é o caso de porteiros, metalúrgicos, vendedores e até mesmo empregadas domésticas.
Outro dado recente e preocupante é que entre 10 e 20 anos, 58,1% dos trabalhadores brasileiros serão substituídos por máquinas, segundo estudo da IDados, que cruza a base de informações do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicício) com um estudo da Universidade de Oxford, que mensura as ocupações em faixa de risco diante da automação.
Mas não são sós as perspectivas futuras que preocupam o brasileiro, isso porque o cenário atual já é suficiente para amedrontar muitos trabalhadores do país que enxergam a automação como a grande vilã do século. No Japão, por exemplo, parece que o futuro já chegou e, recentemente, a maior fornecedora da Apple no país demitiu um quadro de 60 mil funcionários para substituí-los por robôs que serão capazes de intensificar a produção.





Texto por Leonardo Chagas
Ilustrações de Rubens Fiasche

A corda arrebenta para o lado mais fraco
Aqui no Brasil, na segunda metade do século XX, o clima de medo chegou primeiramente às montadoras e os metalúrgicos já entenderam que a relação com a tecnologia deve ser cautelosa. Fagner de Moura, de 35 anos e prensista há 17, teme o avanço da automação industrial, embora saiba que é impossível fugir dela. “Hoje o empresário prefere robotizar o serviço porque o trabalho braçal gera mais gasto. Além do salário, também existem os acidentes, que são custosos para a empresa”.
O que conta a história ontem e hoje?
Depois do Movimento Ludista, as manifestações populares em torno dos direitos às garantias no ambiente de trabalho nunca mais pararam. Os reflexos do movimento ainda são evidentes e permitem que pesquisadores questionem o surgimento de um novo ludismo em pleno século XXI.
Para o filósofo e historiador pela Universidade de São Paulo, Rosávio Lima, o conflito entre a força de trabalho humana e mecanizada continuará existindo. Em sua visão, o conflito existe por conta das limitações da mão de obra do homem, como cansaço e a necessidade de salário.
“Os ludistas viam nas máquinas uma competição de trabalho e por isso buscavam danificar os maquinários na tentativa de recontratação", explica Rosávio. No entanto, a ideia do movimento era um pouco inocente por acreditar que o problema estava nas máquinas e não no sistema que busca otimizar a produção. É possível sim estarmos vivendo em um período de novos ludistas, mas não acho que a humanidade seja tão inocente nos dias atuais”.
Além disso, a ideia popular de que homem e máquina protagonizam uma competição injusta congela o entendimento humano diante da tecnologia e impossibilita que o trabalhador enxergue as mudanças como um elemento permanente, vendo todas as alterações no mercado de trabalho como arriscadas e dignas de desconfiança.
Outro assunto levantado pelo professor foi a necessidade de equilíbrio na balança do mercado de trabalho. “Não tem como oferecer vagas que precisam de qualificação para toda uma grande massa que só tem a força braçal para oferecer, então se produzimos mais produtos com menos pessoas trabalhando na produção", diz Rosávio ao concluir que a sociedade caminhará para um desequilíbrio entre a quantidade de produtos e a procura de consumidores, já que o operário é, acima de tudo, consumidor.
Por Beatriz Chagas
Fotos de Beatriz Chagas
Ouça Rosávio Lima

Conheça a Indústria 4.0
Sem medo
Conheça a jornalista e editora chefe do BuzzFeed que nunca temeu a chegada do digital
No sábado em que conheci Gaía Passarelli, a cidade de São Paulo parecia tão tranquila quanto a editora chefe do BuzzFeed Brasil.
Ainda do lado de fora do apartamento, escutei ela conversando com a caixa de som que responde ao comando de voz. “Ainda estou me acostumando com esse negócio”, disse ao abrir a porta com largo sorriso e a gatinha cinzenta chamada Meia Noite nos braços.
“Podemos fazer a entrevista fora do sol? Hoje o dia está quente demais, não é?!”, assenti me direcionando para a mesa de jantar de madeira maciça e escura, com um sorriso ainda constrangido estampando o rosto.
Assim como ela, outros dois gatinhos se escondiam do sol sob poltronas e mesinhas de centro. Achei engraçado por pensar que embora negros como a noite, aqueles dois não receberam nomes que lembrassem o ápice da divisão entre um dia e outro.
Vim visitar Gaía para entender um pouco mais sobre sua jornada quase de vanguarda no jornalismo digital. “Lá em 97 eu estava criando meu primeiro site; eu carpi a internet quando você ainda nem era nascida... Então eu gosto de dizer que o jornalismo foi algo que aconteceu na minha vida, eu não busquei”.
Nesse momento, me encantei com o olhar apaixonado que minha nova amiga demonstrou ao começar a falar daquilo que move sua vida, a comunicação. Vê-la com tanto entusiasmo em contar sua trajetória, me fez ter certeza que ela está exatamente onde deveria estar.
Embora introspectiva, não demorou muito para que Gaía me mostrasse seu lado extremamente falante, enquanto contava que começou a escrever sobre música e cultura despretensiosamente. Depois de certo tempo, seu trabalho ganhou notoriedade e a MTV Brasil à chamou para trabalhar com TV; desde então, nunca mais parou.
Embora lidasse com televisão, Gaía sempre tentava se aventurar nos canais online da emissora, de forma que depois de algum tempo, foi impossível se desvencilhar dele. Junto com a MTV, rodou o mundo cobrindo eventos e fazendo aquilo que sabe fazer melhor: desbravar coisas novas! “Como eu viajava muito naquela época, nos momentos em que não estava trabalhando em outros países, escrevia sobre minha cidade. Usei São Paulo como laboratório para aprender a escrever sobre turismo e o jornalismo cultural”.
Escrevendo sobre a capital paulista, Gaía foi se aprofundando ainda mais no ambiente digital e se encontrando seu lugar nele. Viajou um pouco mais, voltou pra casa e escreveu, depois foi um pouco além e criou um podcast pra falar sobre mais coisas com o olhar que só ela tem. Percebi que enquanto os profissionais do modelo tradicional do jornalismo se entretinham com o básico que nos servem nas bancas aos domingos, Gaía gostava de escrever sobre todo tipo de cultura que lhe enchia os olhos e, preferencialmente, quando quisesse. Onde mais fazer isso se não na internet?
Com tamanha bagagem no digital e também em veículos de ordem mais cartesiana, não demorou muito para que o BuzzFeed Brasil à encontrasse. Foi assim que ingressou em um projeto temporário chamado BuzzFeed Connections, que levava estratégias de comunicação para grandes empresas.
Mas hoje, ela voltou para sua praia: passou a produzir conteúdo e até foi promovida à editora chefe do veículo que é 100% online e tem uma receita mundial de mais de 250 milhões de dólares.
Por lá, Gaía continua escrevendo sobre a cidade que tanto ama, afinal, é uma paulista falando de São Paulo? Existe casamento melhor que esse? Acredito que não.
Conversando sobre as possibilidades do online com ela, perguntei se a tecnologia seria realmente capaz de precarizar o trabalho jornalístico por meio da disponibilização gratuita de conteúdo e, abraçando a gatinha Meia Noite, respondeu com uma certeza que eu jamais saberia expressar “A internet é útil para quem e ajuda quem? Nós precisamos saber qual conteúdo estamos disponibilizando para saber se ele deve ser cobrado ou não. Infelizmente a resposta não é simples, mas existem diversas camadas a serem analisadas para que a gente entenda se ela ajudou ou não.”.
Pra terminar nossa conversa pra lá de inspiradora, Gaía fez um apelo para que comecemos a dar mais atenção aos bons e nem tão atuais podcasts, que alçaram voo nos dois últimos anos. “Os podcasts são uma nova forma de consumir as notícias e podem substituir os jornais como consumíamos antes; ele tem encontrado seu lugar como veículo de informação. Ele consome menos dos pacotes de dados e por isso fica mais fácil de consumir”.
Incrível como a jornalista me falava sobre toda a complexidade da relação entre a profissão jornalística e a tecnologia com uma facilidade impressionante, talvez porque para a Gaía a internet não seja nenhum bicho de sete cabeças, mas sim uma amiga de longa data que sempre lhe estendeu a mão.
De forma simultânea ao final da conversa, a gata que agora estava no chão me olhou como se alertasse que já era hora de ir embora. Lambeu duas vezes a patinha direita e se virou debochadamente para o lado contrário.
Fui me levantando e delicadamente me despedindo daquela forma que sempre fazemos ao sentir que estamos atrapalhando a rotina de alguém – “Desculpa qualquer coisa, viu? Foi um prazer te conhecer”– disse quase na porta. Enquanto esperava o elevador a veterinária dos gatos chegava... Com certeza a danada da Meia Noite sabia que estava chegando o momento dela receber a atenção da dona, e não mais eu.
Voltando para casa, dei uma pesquisada sobre os significados do nome da jornalista inspiradora que protagonizou esse texto.
O nome dela remete à deusa da criação para a mitologia grega, portadora de uma capacidade geradora incalculável. Com certeza há um pouco de Gaía aí, que gerou tanto dentro dos anos em que está em atividade no jornalismo.
Enquanto muitos se descabelam com a chegada da tecnologia no ofício, ela permanece tranquila acariciando seus gatos.
Afinal, ela continuará criando, criando e criando...
Conteúdo digital é claro.
Tudo é tec
O nosso cotidiano está cercado por inovações tenológicas. Desde um simples prato que pedimos em um restaurante até as consultas médicas têm sido impactadas. Tudo isso alterou as relações de trabalho.
Às vezes, essas inovações estão em detalhes tão pequenos que nem percebemos a sua presença. Solte o play e confira como a tecnologia alterou essas áreas
O futuro das concessionárias
Fiat é a primeira montadora no país a possibilitar compra de carros sem vendedores
O Digitalizando conheceu uma concessionária que usa recursos tecnológicos para dinamizar a venda de automóveis, inaugurada em 2018, na cidade de São Paulo, próxima ao estádio do Pacaembu. Por lá, são necessários apenas dois funcionários para administrar toda a loja e o resto fica por conta das tecnologias dispostas no salão.
É possível personalizar os carros para que eles fiquem do jeitinho que você sonhou e interagir com diversos aparelhos, como óculos de realidade virtual e telões sensíveis ao toque. Para Patrícia Miranda, analista de resultados da rede de concessionárias da Fiat, a proposta da marca é implantar novas tecnologias para dar mais liberdade ao cliente e auxiliá-lo na hora da compra. Veja como encomendar um automóvel nessa loja - quase - virtual:

Texto por Beatriz Chagas
Infográfico por Marcos Liberato Beatriz Chagas
Inovação, criatividade, uma excelente estratégia e ambição foram as palavras chave para Renato Freitas criar três empresas que estão avaliadas em mais de R$ 4 bilhões. O paulista de 34 anos é engenheiro mecânico formado em 2006 pela POLI-USP e sempre foi apaixonado por tecnologia.
Além do já conhecido aplicativo de motoristas particulares 99 Taxi, criado em 2012, o empreendedor também fundou a Yellow em 2018.
A plataforma permite o aluguel de patinetes elétricos e bicicletas através de um aplicativo. Mas antes de conquistar o sucesso com essas startups mais conhecidas, ainda durante seu último ano de graduação Renato iniciou sua trajetória com a criação do Ebah, um site para compartilhamento de materiais acadêmicos.
Para se ter uma ideia da importância desses negócios, a 99Taxi passou a ser considerada o primeiro unicórnio brasileiro, categoria de startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão.
A criação dessas empresas não foi algo que surgiu de repente na vida do engenheiro. Seu pai tinha uma pequena empresa metalúrgica, que o inspirou a se tornar empreendedor. Com algumas inspirações daqui e outras dali, não foi muito difícil para ele criar grandes startups.
Em conversa com o Digitalizando, Renato Freitas contou um pouco da sua trajetória e como conseguiu se tornar um profissional de sucesso.
Por Lucas Montagnini
Empreender na direção certa
Um bate-papo com o criador da primeira startup unicórnio do Brasil

Foto: Arquivo pessoal
Digitalizando: Como surgiu a ideia de abrir cada uma das três empresas nas quais você é co-fundador: Ebah, 99Taxi e Yellow?
Renato Freitas: A ideia do Ebah surgiu na faculdade, em 2006, junto com meu sócio, Ariel Lambrecht. Nessa época, a internet banda larga se popularizou, mas os nossos materiais ainda eram impressos nas copiadoras da faculdade. Queríamos ter essas apostilas disponíveis online, então criamos uma plataforma para as pessoas poderem compartilhá-las. Já a 99 veio da inspiração do aplicativo MyTaxi, quando Ariel visitou a Alemanha em 2012. Já a Yellow, surgiu da ideia da plataforma de bicicletas chinesas Mobike e Ofo, durante minha ida ao país. Junto com os meus sócios Ariel e Paulo Veras busquei resolver questões de mobilidade que já sabíamos que eram possíveis com o uso da ciclovia.
D: Como funciona o processo de investimento nas startups?
RF: Não tem muito segredo! Você precisa falar com os investidores e mostrar sua ideia, seu time, plano e ambição. No caso da 99Taxi, em março de 2018 recebemos um investimento de R$ 320 milhões da plataforma chinesa de transporte DiDi Chuxing. Com isso, pretendemos ampliar nossos serviços e competir com outras empresas do ramo, como Uber e Cabify.
D: Qual a importância para você e para o Brasil da 99Taxi ter sido considerada a primeira empresa unicórnio do país?
RF: Para mim, o título não importa muito. Nós nunca construímos a empresa focando na avaliação. O que importa é a quantidade de pessoas que hoje se transportam de forma mais barata, rápida e segura pela 99 e quantas conseguem ganhar dinheiro trabalhando como motoristas. Para o Brasil é um marco importantíssimo. Na história da empresa tivemos muita dificuldade de ter um lucro por muito tempo. Isso porque os investidores de fora não olhavam para o país como um lugar onde potencialmente poderiam surgir grandes empresas. Com o surgimento das startups unicórnios isso passa a mudar e elas se tornam a ser excelentes exemplos de investimentos.
D: Qual a maior dificuldade que você enfrentou em cada uma de suas startups?
No Ebah foi transformar um modelo de negócios que viabilizasse um crescimento muito grande da empresa. Apesar dos mais de 7 milhões de visitantes por mês na plataforma, não conseguimos. Na 99 Taxi, no começo tivemos vários desafios de como fazer os motoristas comprarem um smartphone pela primeira vez, além da necessidade de ensiná-los a usar o app. Depois passamos por muitos desafios de crescimento e investimento. E por último, competir com a Uber é um grande desafio. Na Yellow, o maior desafio foi provocar a mudança cultural nas pessoas de aprenderem a compartilhar e permitir o compartilhamento das bicicletas e patinetes.
D: A 99Taxi começou como empresa de mobilidade compartilhada e depois virou transporte particular. O que essa mudança significou?
RF: Na realidade, a 99 Taxi não virou transporte particular, ela expandiu sua atuação. Essa mudança foi um grande marco, com novos sonhos e novas ambições. A ideia era que fosse criada uma solução para transporte, independentemente da opção da maneira escolhida.
D: Como você e suas empresas se adaptaram frente a esse cenário de crise no Brasil?
RF: O legal de trabalhar com startups é que elas sofrem pouco com as crises. Geralmente são tão inovadoras que há uma facilidade de se criar e expandir o seu mercado.
D: O que as startups alteram na relação entre trabalhadores e empresas?
RF: A relação de trabalho é muito menos estruturada. Os cargos são menos rígidos, cobra-se muita autonomia e proatividade dos trabalhadores. Eles ficam mais livres e independentes. Tudo isso porque esse modelo de negócio precisa mudar o planejamento constantemente, agir rápido e implementar mudanças com uma grande frequência.
D: Como a tecnologia alterou o trabalho nos últimos anos e quão fundamental ela é para se empreender nos dias atuais?
RF: Acredito que tecnologia deixou as coisas mais eficientes, tornando os seres humanos mais capazes e criando novas oportunidades de negócios. As pessoas costumam achar que tecnologia é só sobre eletrônicos e internet, mas já parou para pensar como a máquina de escrever possibilitou novos negócios? E o automóvel?
D: Quais são suas ambições futuras? Você pretende desenvolver novos projetos?
RF: Eu sou muito inquieto e pretendo empreender em um futuro não muito distante. Mas por enquanto não tenho planos.
D: Por fim, quais conselhos você daria para quem quer abrir um negócio inovador?
RF: O principal é apaixone-se pela sua ideia. Trazer um elemento emocional para a sua vontade de construir coisas diferentes é uma excelente forma de te dar resiliência. Pode ser por vários motivos: porque o problema tem um significado grande para você ou porque você sonha em ver um mundo melhor. Empreender não é uma tarefa fácil e dá muito trabalho, mas sua grande paixão por determinada coisa pode te dar energia para construir grandes sonhos.
Maiores unicórnios do Brasil
Você sabe o que são as unicórnios?
São startups que atingiram um valor de mercado superior a 1 bilhão de dólares!
Elas recebem esse nome por serem consideradas valiosas e raras, assim como os animais mitológicos que se assemelham aos cavalos, mas com asas.
Por aqui no Brasil, 9 statups já receberam essa denominação. Para saber onde elas estão e, quem sabe, fazer uma visitinha, que tal conferir a geolocalização?!

Contrata-se
Mais de 25 mil postos de trabalho na área de tecnologia estão à espera de profissionais capacitados
Imagine que você vai prestar vestibular e ainda não tem ideia de que curso fazer. A única certeza é a de que precisa pagar as contas e por isso quer trabalhar em uma área que tenha muito emprego disponível.
Como você é bem informado, com certeza já sabe que até o final de 2019 existirão no Brasil 25 mil vagas não preenchidas no setor de TI (Tecnologia da Informação), segundo a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom). E até 2024 surgirão mais 420 mil postos de trabalho na área.
Sabendo disso, você decide prestar vestibular para um curso de tecnologia. Falta só escolher entre engenharia da computação, sistemas de informação, gestão de TI, ciência da computação e análise e desenvolvimento de sistemas, dentre outras opções no setor. Afinal, a chance de ter um diploma em qualquer um desses cursos e ficar desempregado é praticamente nula, certo? ERRADO!
De fato, essa área oferece muitas vagas, mas apenas ter diploma não é necessariamente garantia de uma vida profissional estável. Muitos candidatos a esses postos de trabalho esbarram no alto grau de qualificação exigido pelos contratantes, que buscam profissionais com conhecimento avançado em programação e desenvolvimento de softwares, além de fluência em inglês e espanhol.
Jonathan Cavalcante, 23 anos, se formou em ciência da computação no ano passado e ainda não conseguiu emprego na área. Para ele, os empregadores exigem muito dos candidatos recém-formados. “É impossível alguém que acabou de sair da faculdade ter tanta experiência, mas é isso que as empresas mais pedem.”
Apesar disso, Jonathan destaca que é dever do profissional de TI buscar cursos fora da universidade para aperfeiçoar os conhecimentos na área. “A faculdade ensina só o básico. Quando você entra na área, tem que estar ciente que precisa de outras habilidades para ter mais chances no mercado de trabalho.”
João Paulo Bispo, 25 anos, também é formado em tecnologia e não está trabalhando no setor. Ele concorda que cursos extracurriculares são essenciais para uma boa qualificação profissional, mas destaca que esse aprimoramento custa caro. “Os preços desses cursos variam entre oito e vinte mil reais. Como um jovem que ganha um salário mínimo vai conseguir pagar essa quantia?”
Para entender o que o mercado de trabalho busca, um profissional de TI precisa estar sempre atento à nova realidade da economia brasileira. Em um país com uma taxa de desemprego de 11,8%, a tendência é a evolução de um novo modo de empreendimento: as startups.
Empresas recém-criadas, com capital inicial relativamente baixo e propostas inovadoras, essa modalidade de negócio vem ganhando força no mercado. Segundo a Associação Brasileira de Startups, o Brasil já tem mais de 12 mil organizações desse tipo. E elas têm puxado a alta demanda por profissionais de TI no país.

Guilherme Seder, presidente da startup VRGlass, que produz equipamentos de realidade virtual, afirma que a empresa valoriza uma boa formação na hora de contratar, mas a prioridade é sempre por funcionários dedicados e com muita vontade de aprender coisas novas. “Temos pessoas que trabalham conosco que são autodidatas e sabem programar melhor do que muita gente que fez faculdade”.


Na SavPrice, uma plataforma que compara preços de supermercado, o CEO Ederson Riechelmann reconhece a dificuldade em contratar funcionários de TI. “Buscamos quem tenha conhecimento em banco de dados, desenvolvimento de plataformas na web e de aplicativos. É muito difícil encontrar profissionais que atendam todos os requisitos.”
Uma solução que Ederson encontrou foi oferecer cursos e treinamentos internos para os funcionários. “Como é difícil encontrar alguém completo, nós escolhemos alguém com conhecimento médio em tecnologia e buscamos formá-lo dentro da empresa. É custoso, mas é o caminho que encontramos”.
Como se preparar para o mercado?
Você já viu que um diploma universitário em tecnologia nem sempre é sinônimo de qualificação. Afinal, muitas das habilidades necessárias são adquiridas antes mesmo de o aluno ingressar no ensino superior.
Marcelo Módolo, coordenador do curso de Ciência da Computação da Universidade Metodista de São Paulo, admite uma falta de diálogo entre as universidades e o mercado, o que dificulta a atualização da matriz curricular. Mas ele ressalta que boa parte das habilidades essenciais para profissionais de TI deveriam ser desenvolvidas ainda no ensino básico.
Na opinião de Marcelo, a tecnologia se desenvolve muito rápido e o conteúdo que um aluno vê no primeiro ano da faculdade já pode estar ultrapassado quando ele se formar. Por isso um bom raciocínio lógico é a habilidade mais importante para o profissional de TI. “Infelizmente a maioria dos estudantes brasileiros não gosta de matemática, mas é ela que te dá base para esse raciocínio lógico, que precisa ser desenvolvido cedo.”
Por João Fiasche
Fotos de 123RF
Ouça Marcelo Módolo
Exclusão Digital 4.0
A tecnologia tem falhado na promessa de reduzir o abismo social
Você já viu aqui no Digitalizando que a tecnologia mudou radicalmente o mercado de trabalho, não somente nas áreas em que ela é a atividade primária. A maioria das profissões está sendo impactada pelas inovações digitais e, sendo assim, todo mundo precisa estar antenado para ter boas chances de êxito na carreira.
Mas nem todos os brasileiros têm as mesmas condições para se atualizarem de acordo com as tendências de mercado. O alto índice de desigualdade social no país também impacta no uso da tecnologia.
Divulgada anualmente pela CETIC (Centro de Estudos sobre Tecnologia da Informação e Comunicação), a pesquisa TIC Domicílios revela que a internet está presente nas casas de 76% das pessoas da classe C e de 40% das classes D e E. Além disso, foi constatado que 72% da população com renda familiar de até um salário mínimo tem telefone celular.
Mas ter um smartphone com acesso à internet não é o suficiente para estar preparado para o mercado de trabalho. Dessa forma, você pode passar horas conversando no Whatsapp ou assistindo vídeos no YouTube e ainda assim ser considerado um analfabeto digital pelos empregadores.
Francisca Ribeiro tem 51 anos e é presidente da Associação Bem Querer, uma ONG que promove ações sociais na Cidade de Tiradentes, bairro da periferia de São Paulo. Ela percebe que em sua vizinhança muitas pessoas têm dificuldade de encontrar emprego por não dominarem conceitos de informática. Ela mesma já desistiu de procurar trabalho como auxiliar administrativa por não atender as exigências das vagas.
E não é só a geração de Francisca que é prejudicada pelo analfabetismo digital. O filho dela, João Lucas, tem 18 anos e está começando a vida profissional agora. “Não sei usar todas as ferramentas tecnológicas e vejo muita gente aqui do bairro perder oportunidades por ser excluído digitalmente.” Na opinião de João Lucas, quem tem mais condições financeiras sai na frente porque faz cursos de informática que ele e os amigos não têm condições de pagar, aumentando a desigualdade social.
Só o acesso não resolve
Elisabete Correia, de 37 anos, também vive na região da Cidade de Tiradentes e está desempregada há quatro meses. Ela não consegue recolocação nas áreas de cozinha e limpeza por não ter conhecimento digital. “Para ser honesta eu acho um pouco de exagero exigir curso de informática para essas vagas. Para cozinhar ou limpar a casa eu não preciso saber computação. Os empregadores poderiam pelo menos me dar uma chance.”
O jornalista e doutor em comunicação e semiótica Edilson Cazeloto, autor do artigo “A Monocultura Informática”, acredita que embora a massificação dos smartphones tenha contribuído muito para a universalização do acesso à internet, a exclusão digital ainda persiste porque não houve no Brasil um movimento de qualificação desse acesso. “Quase todo mundo está conectado à rede, mas poucas pessoas sabem como usar essas ferramentas para viver melhor.”
Para Cazeloto, o analfabetismo digital é só um reflexo da desigualdade social e dos problemas educacionais do país. Ele acredita ser papel do Estado promover políticas públicas que reduzam essa disparidade ao invés de esperar que a tecnologia resolva por si só o problema. “É nas relações sociais, na educação, nos espaços de trabalho e lazer que o cidadão se forma. A partir daí, atuará de maneira mais qualificada na rede e não o contrário.”
Driblando a desigualdade
Mas se você pensa que é só o setor público que pode contribuir para a inclusão digital, está enganado. A sociedade civil pode ter um importante papel nesse processo.
Quem percebeu isso foi Arthur Gandra, de 30 anos. Nascido e criado na periferia de Mairiporã, cidade que faz limite com a zona norte da capital paulista, o jovem de origem humilde conseguiu estabilidade financeira trabalhando como assessor de imprensa, após se formar em jornalismo.
No entanto, sua paixão sempre foi tecnologia. Em 2017, deixou suas funções como jornalista para se dedicar ao ensino de programação a crianças e adolescentes da periferia de São Paulo, no projeto Jovens Hackers. As aulas são ministradas no bairro do Campo Limpo e Arthur afirma que a mensalidade cobrada gira em torno de 25% do valor cobrado em locais mais nobres da cidade.
“Todos os problemas sociais que eu conheço são frutos da desigualdade. Isso deveria incomodar muito mais as pessoas. O meu objetivo é descentralizar a informação. As crianças de bairros privilegiados têm muitas oportunidades. Já para as daqui, as opções são mais escassas. É para esse público que eu quero fazer a diferença.”
Uma pesquisa encomendada pela empresa Dell revelou que 85% das profissões que existirão em 2030 sequer foram criadas. E praticamente todos os novos ofícios exigirão conhecimentos aprofundados em tecnologia. Em um país desigual como o Brasil, a tendência para os próximos anos é uma taxa de desemprego cada vez maior, que deve deixar o abismo social brasileiro ainda mais cruel.
Por João Fiasche
Fotos de João Fiasche
Ouça Arthur Gandra
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O trabalho sem chefe nem direitos
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O tempo e eu
- Tchau, mãe! Vou jantar na Ju então não volto cedo. Ok?
Assinto com a cabeça.
- Tchau, amor. Hoje os caras do trabalho vão sair para comemorar a final do campeonato e eu vou também. Diz Fernando me dando um beijo na testa, que substituíra os beijos longos na boca na época dos primeiros anos de casamento.
A louça acumula na pia há uns dois dias mas dou de ombros. Agora que estou sozinha, sento no sofá confortável da sala e ligo o computador para trabalhar.
Isso mesmo... trabalhar.
Sem o frio do ar-condicionado lancetando minha cabeça, nem as fofocas da rádio corredor. Também não tem chefe na minha cola, muito menos horário regrado para almoçar.
O banheiro? Logo ali.
Minha cama? Também!
Da pra desejar coisa melhor?
A verdade é que sim.
7h00
Tic tac
Desde que larguei minha antiga empresa para me aventurar nessa vida de quem trabalha em casa, tenho encarado cada vez mais de perto a solidão. Achei que meu marido e filho estariam sempre por perto e que afinal isso seria bom pra mim. Mas acontece que enquanto minha rotina mudou, a deles permanece intacta, como se minha presença por aqui em nada interferisse.
Não tem barulho na casa e nem as luzes eu ligo direito; as janelas quase que praticamente fechadas apenas revelam o lençol de poeira sobre o móvel de madeira escura que comprei assim que consegui aquela promoção no ano passado.
O trabalho quase não rende e parece martelar a cabeça enquanto os pequenos flashs de sono tomam conta dos meus pensamentos. Não há tantas maravilhas em estar sozinha e até as crianças barulhentas da rua parecem estar mais dispostas que eu.
12h
Tic tac
Tic tac
“Trabalhar é exercício social e é preciso ter gente por perto.” É o que sempre diz a psicóloga quando conto pra ela que sinto falta das amigas que fiz na antiga firma.
“Mas home-office é uma maravilha! Quem que não quer essa vida boa?”. Dizem-me todas as outras pessoas que, diferente dela, não acompanham os meus estágios mais profundos de tédio em estar solitária.
Por aqui não tem amigo, não tem conversa, não tem nem quem me lembre que parar para almoçar é importante. Não tem ponto para bater, nem enrolação gostosa no banheiro mexendo no celular.
Até minha cama, antes tão amada, ganhou a expressão carrancuda de um chefe exigente que quer que eu fique mais e mais trabalhando.
15h
Tic tac
Tic tac
Tic tac
Quase não dá pra acreditar que as horas passam, mas é só depois de onze ininterruptas delas que lembro que existe uma vida além do trabalho. O dia todo passou e as últimas palavras que saíram da minha boca foram aquelas contidas ditas ainda no começo da manhã.
No outro dia vai ser igual: ninguém vai desejar muito conversar comigo para contar as novidades e também mal sentirão minha falta se eu não aparecer pra trabalhar. Somente o notebook vai querer saber se estou por ali, lendo notificação atrás de notificação quase que no modo automático.
Por aqui, é sempre assim.
O tempo e eu.
20h
Tic tac.
Tic tac.
Tic tac.
Tic tac.
Por Beatriz Chagas.
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